Ainda nos tempos em que me questionava seriamente como é que Silvino, Veloso, Isaías, Mozer, Vítor Paneira e Kulkov levavam três sem resposta da Juventus em Turim, fui assistir a uma peça de teatro que despertou a minha mente cheia de ideais para o fantástico e relativamente inexplorado mundo dos bolsos.
De facto, Bertolt Brecht mandava fazer casacos onde o número de bolsos frequentemente subia acima das duas dezenas. Havia bolsos de vários tamanhos e com distintas finalidades. Tudo meticulosamente calculado e pensado ou não tivesse ele nascido num país que por duas vezes se reergueu dos escombros e que hoje ainda assume o papel de pulmão meio intoxicado da economia europeia.
Lembro-me de na altura ter ido imediatamente contar quantos bolsos tinha o meu casaco. 3. Que tão vulgar se tirarmos todos o simbolismo religioso a ele associado. Caramba, só três bolsos! Confesso que cheguei a baixar a cara numa quase vergonha de que o aparentemente imortal Brecht se risse na minha cara de podre desalmado cujo casaco tinha apenas 3 bolsos.
Seguiram-se tempos de genuína preocupação.
Cheguei a comprar calças com 7 bolsos, onde guardava as coisas mais impressionantes deste mundo: desde bolos a poemas arrancados à laia de rebeldia do livro de português, não esquecendo os inevitáveis bilhetinhos com intimações a encontros que acabaram por nunca se realizar.
Mas os bolsos dos casacos é que sempre exerceram um tremendo fascínio na minha pessoa.
Com o passar dos anos perdi a paranóia do número excessivo de bolsos para começar a alimentar a da utilidade dos mesmos.
Os papelinhos começaram a ser substituídos por recibos vários de cafés, transportes públicos, entradas em museus e monumentos, de restaurantes inesquecíveis que conseguiram fazer a minha felicidade durante um período de tempo considerável, uma ou outra moeda que sempre dará para novo café ou até mesmo uma nota que me colocará um sorriso de conquistador de novos mundos na cara.
Não consigo negar o prazer imenso que sinto ao reviver pequenos passos da minha vida quando visto um casaco e lá descubro restos de momentos vividos um pouco pelos últimos seis meses. Chego a ficar nostálgico, de sorriso perdido na cara. Os pensamentos transportam-me para uma qualquer outra realidade bem distinta desta. De certa maneira, costumo demorar imenso tempo a limpar os bolsos, a desfazer-me de pequenas memórias que se arriscam a desaparecer a qualquer momento, apenas pelo prazer de conseguir prolongar as coisas boas.
Afinal, a vida deveria estar cheia de bolsos por essas esquinas.
Etiquetas: Criação Agostiniana