Geralmente renego tudo o que se encontra à minha volta. Não que para isso tenha uma razão em especial, não me sinto em nada discriminado pela sociedade, fazendo-o apenas pelo prazer do inerente jogo psicológico.
Contudo, há uma coisa que não consigo renegar: a tradição judaico-cristã em que nos encontramos. Sempre são um pouco mais que vinte séculos.
Por isso mesmo é que assumo o tácito compromisso de apresentar aos resistentes leitores destas linhas a maneira como os pecados mortais condicionam a minha existência.
Claro está que o que mais vezes me invade e seduz de forma malévola é o da inveja.
Sou invejoso. Muito.
Desde criança que invejo a maneira de jogar de vários jogadores: aos 11 anos, o francês Eric Cantona (até ao momento em que ele pontapeou de forma marcial um espectador); aos 13 o menino-maravilha do Benfica, João Pinto; aos 15 Luís Figo e um Barça demolidor onde pontuavam Sergi, Stoichkov, Ronaldo e de la Peña. Este deslumbramento em relação a Figo apenas desapareceu recentemente, tendo sido substituído pelo Ronaldinho (com e sem barriga), Henry, Van Persie e o portentoso Drogba.
Quanto aos escritores, ainda sou um pouco pior: chego mesmo a invejar os mortos. Não que inveje sobretudo os mortos (como geralmente acontece com a maioria das pessoas que só lê mortos), mas que eles representam uma boa maquia, lá isso representam. Mas há uns que invejo seriamente. Falando dos vivos, que sempre são os que mais me incomodam, pois possuem ainda margem de manobra para melhorarem: as crónicas do Pedro Mexia, que só são possíveis por causa da revolução do MEC (de quem só não invejo a barriga), o estatuto do Saramago, a facilidade de escrita do Lodge, o humor do Nick Hornby ,a loucura do Martin Amis e a forma promissora como o Houellebeck se afirma como o melhor escritor francês da actualidade. Também invejo a escrita yuppie do Haruki Murakami e as capacidades narrativas do Roth. Já agora também não me importava de ter uma quota-parte do dinheiro do Lobo Antunes ou de viajar tanto como o Agualusa.
Noutros domínios invejo os privilégios de Salvador da Cunha Guedes (dono da Sogrape e por conseguinte de toda a casa Ferreirinha), o estilo do Mourinho e o facto de trabalhar no bairro de Chelsea, os pequenos-almoços de Stephen Twinings (qual será o chá que ele bebe?) e a capacidade de produção do Jerry Bruckheimer (autor dos CSI, Perto de Casa e Sem Rasto).
Bem, também invejo todos aqueles que fazem coisas que eu não consigo fazer, o que me faz invejar quase 70% da população mundial que fala idiomas para mim desconhecidos.
Sou invejoso. E não é nada pouco.
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